quarta-feira, 1 de julho de 2015

TIREI O VAPOR DO ESPELHO

Hoje foi o dia 1 daquele meu desejo mais profundo.

Confesso que não foi fácil... foram dolorosos 7 meses até entender que esta era a opção mais honesta e mais sincera que eu poderia ter comigo quando decidi voltar para a faculdade.

"Ao olhar-me no espelho com certeza não reconhecia meu próprio rosto." (plágio, Rodrigo).

Conviver ano passado com diversos artistas que renunciaram uma vida tranquila, ao perceber que não adiantava fugir, consegui encontrar somente uma solução em novembro/2014: voltar à faculdade e fazer aquele tão desejado e imaginado curso: Artes Cênicas.

Acreditava que apenas essa atitude me deixaria mais tranquila de ter a certeza que estava começando a andar no sentido que eu gostaria de andar.

Por fim o curso começou, e a vontade de viver mais e mais aquilo que eu escolho cresceu. Não me bastava apenas ir à faculdade e estudar teatro, pedagogia... eu queria mais. Na verdade eu sempre soube o que eu queria, mas não tinha coragem de tirar o vapor do espelho. Não sabia o quanto ia doer, e a ignorância era uma dor insuportável.

Após 7 meses a sensação de viver uma outra vida era igual antes. Não era o suficiente. Me questionei milhões de vezes, pois não podia ceder ao capricho de um sonho de criança. Eu poderia sobreviver, passar por isso e rir da cara dele falando "viu? Não era tão necessário assim...". Mas foi necessário.

Ao tomar a decisão de pedir as contas e começar a viver outra vida (dar um F5 na minha vida profissional), estranhamente me senti mais segura e mais corajosa. Vi do que eu seria capaz.

O medo nos cega. Andar com ele é paralisar.

Não é fácil questionar-se diariamente se você quer realmente aquilo que você quer, se não é só um capricho, se você não poderia viver como todos vivem. Não é fácil admitir para si mesma que você já pode ter o controle da sua vida. Não é fácil saber negar para si mesma o conforto que você poderia ter caso continuasse caminhando pelo caminho onde estava. Não foi fácil dizer sim à vontade de mudar. Mudar de estrada dói. Mas a dor passa logo quando você vê que era apenas uma ferida que sara.

Virão outras, eu sei. Mas tenho a consciência hoje de que essas feridas eu escolhi para mim.

Hoje é o primeiro dia de uma nova fase. Uma onde eu me perdoo mais, onde eu me reconheço, rio e choro comigo mesma. Uma fase que chegará cheia de perguntas, problemas, inquietações, provações. A fase da qual eu peguei as minhas rédeas e começo a me direcionar. Dói crescer.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

DA CIRURGIA BUCO MAXILO

Podemos dizer que há exatos 7 dias atrás eu estava apavorada. Minha irmã, Luiza Gimene, já tinha passado por esta cirurgia e vimos o quão valente foi. Ela foi a primeira a fazer uma cirurgia que nenhum de nós tínhamos ouvido falar! Por que então eu estava com medo?

Simples: o destino arranjou uma maneira de deixar qualquer pessoa ansiosa em desespero: colocou ao meu lado uma mulher que fez exatamente a mesma cirurgia que eu (maxilar de cima, de baixo e desvio de septo) que fez questão de falar que nela tinha dado tudo errado. E tinha mesmo, porque olhar pra cara dela não era nada animador...

Depois de uma conversa com meu pai, resolvi aos poucos trabalhar meu pensamento: a cirurgia só depende dos médicos, a recuperação depende de mim.

Dormi o que consegui e fomos, eu e minha mãe para o hospital fazer a dita-cuja. Caramba: eu estava de jejum, mas fui ao banheiro como se tivesse tomado muita cerveja! Nervoso? Imagina!

Depois da cirurgia, somente a alegria de estar viva (olha o exagero!!) e bem! Não sentia dores, apenas sono e cansaço. Tive quatro cenas que deixariam qualquer diretor dos filmes de exorcismo com raiva de não terem uma câmera naquele momento, mas isso abalou mais quem estava vendo do que quem estava fazendo: um alívio!

Hoje, depois de 6 dias da cirurgia posso dizer que venho aprendendo uma coisa muito importante comigo: RIR DE MIM MESMA!

Claro! Porque não seria engraçado você abrir a boca e falar algo que quase ninguém entende? Porque não rir que você não sabe mais onde é a sua boca? Que entre sua prima de 1 ano e meio e você, de quase 24, quem está babando sorvete e se lambuzando toda é você? Porque não seria engraçado o fato de você terminar o recheio da pizza de frango com catupiry depois que todos já repetiram os seus e já estão na sobremesa? Porque não rir que a cada 10 palavras que eu escrevo aqui eu tenho que parar para limpar a minha baba?

Vai me dizer que isso não é cômico?! Claro que é!

A alegria de conseguir tomar leite direto da xícara (sem colher ou canudo), de tomar omeprazol direto do comprimido, de conseguir comer arroz com feijão, bolo de chocolate amassadinhos, mesmo que seja em 1h aquilo que normalmente eu faria em 2 minutos!

Rir de mim mesma nessas situações é o que me está ajudando a lidar com o peso de um rosto inchado e de um nariz tampado. São fases, vai passar!

Claro que tem momentos em que eu perco a paciência e fico irritada, normal! Mas vai passar.

Tudo passa, e essa cirurgia está passado, dia após dia, no ritmo do meu corpo, com a imensa ajuda de mainha que é uma excelente enfermeira, de meu pai, que me olha todo dia incentivando que estou cada vez menos inchada, de Rosinho que limpa todas as minhas babas e melecas de comida, e claro, de Luiza, que me deu a força e a vontade de enfrentar essa cirurgia como ela!

Ainda não acabou! Volto no médico amanhã. Mas acredito que o pior já passou.

E sabe o que mais está doenda nessa história? Minha panturrilha....

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"Como você se imagina em 10 anos, Claudio?"

Cláudio é um rapaz sério, tranquilo, responsável. Aparenta ter mais idade do que realmente tem, não pela aparência, mas pelo seu modo de se comportar. Claudio estuda economia em uma boa faculdade e faz parte do centro acadêmico da mesma. Está na busca de uma vaga de estágio, pois já aprendeu tudo o que deveria aprender onde está atualmente. Claudio é de uma família nem pobre nem rica, vive bem, nunca passou necessidade, mas não pode esbanjar gastos, e nem sente necessidade disso. Está no ônibus, chovendo, com aquele bafo de verão e de gente na atmosfera. Está de pé porque não conseguiu sentar, e na realidade sempre prefere ficar em pé, diz que é o momento de fazer exercícios de força abdominal e bíceps. É a sua piada pronta.

Desce do ponto de ônibus e entra no prédio à sua frente, deu a sorte da entrevista ser em um local perto! A chuva não o fez ficar de mau-humor. Ele está pensativo, quem o vê, pensa que está bravo. Dá seu nome e mostra seu RG na recepção, entra no elevador com um crachá e sobe até o 10o andar. É recebido pela outra recepcionista e senta-se no banco para esperar a sua vez. Olha as revistas, mas não sente interesse por nenhuma. Pega um livro em sua mochila, um livro de poesias "Quem disse que pra gostar de economia não se pode gostar de arte?!" era uma das frases mais repetidas por ele na faculdade.

Claudio gostava muito de poesia, e sempre quando lia uma, sentia-se extremamente pronto para tudo! Qualquer pergunta, qualquer situação desconfortável, tudo! O que viesse era destruído pela capacidade de Claudio se concentrar ao ler um poema. Ouve seu nome e entra na sala. Ele já havia feito dinâmica de grupo, então dessa vez era só ele e o contratante. Confessa que prefere essa situação.

O contratante o recebe com um sorriso no rosto, oferece café, água, bolachas... Claudio sempre fica desconfiado quando a esmola é grande! Aceita só um copo d'água. Começa o batalhão de perguntas: idade, ano da faculdade, quando termina, se gosta do curso, porque escolheu  curso, como conheceu a empresa, quais os objetivos dele naquela empresa, e por fim: como ele se vê em 10 anos.

CLAUDIO
Como? Como assim?

OSMAR
Simples! Você tem 20 anos. Com 30, como você se vê com 30 anos? Casado, morando sozinho, com MBA, dando aula, trabalhando na nossa empresa...

Claudio não esperava esse tipo de pergunta. Sempre achou que a resposta não valia de nada, porque a gente muda conforme o tempo! Até ano passado ele queria trabalhar em empresa, mas com a experiência deste ano ele quer ser professor! Ele já havia decorado, estudado e até acreditava nas respostas que podia dar se o prazo fosse de 1 ou 2 anos! Mas 10 anos?! É tempo demais!!

CLAUDIO
Bom... eu espero estar vivo antes de tudo!

OSMAR
Hahahaha! Boa! Mas e no lado profissional? O que você deseja pra sua vida?

CLAUDIO
Eu só desejo coisas boas, mas isso não depende muito de mim...

OSMAR
Mas e do lado profissional?

CLAUDIO
Olha... até ano passado eu gostaria de trabalhar em empresa, só em empresa! Mas agora eu quero ser professor universitário, perquisador...

OSMAR
Hum...

CLAUDIO
Mas isso é daqui muito tempo! O que eu quero agora é aprender na prática! Quero ser um bom profissional pra depois poder dar aula e virar um bom pesquisador, escrever artigos...

OSMAR
Então você não pretende trabalhar dentro de empresas depois de formado?

CLAUDIO
Não! Quer dizer, claro que pretendo! Termino minha faculdade no próximo ano, até os 30 anos preciso aprender a prática! Quero trabalhar em empresa, trabalhar sempre em empresa, mas o meu foco é dar aula agora.

OSMAR
Olha rapaz, nós queremos um jovem capacitado e com vontade de aprender! Mas queremos que ele também queira estar conosco no seu futuro! É como se estivéssemos criando um filho, entende!

CLAUDIO
Eu entendo! Mas é o que eu estou falando, vocês me terão sempre! Mas a sua pergunta foi daqui 10 anos! Em 10 anos eu posso ter mudado de ideia e querer ser um milionário, o funcionário do mês, o dono de uma empresa...

OSMAR
Então quer dizer que você muda constantemente de ideias...

CLAUDIO
E você não? Nunca ouviu aquela música do Raul Seixas? Acredito que principalmente na minha idade é quando a gente mais muda de ideias! Eu acho isso positivo.

OSMAR
Não vou me lembrar do que eu pensava quando tinha a sua idade, provavelmente era metido a comunista e hoje sou sócio disso aqui.

CLAUDIO
Tá vendo?

OSMAR
Olha rapaz, entendo sua confusão mental, que as suas ideias modificam, que você pode querer outra coisa pra sua vida.... mas o departamento do RH pediu que eu escreve algo de concreto para essa pergunta. Vamos fingir que eu não te perguntei, comecemos do zero. Claudio, como você se vê daqui há 10 anos?

Claudio respirou fundo e pensou que de nada ia adiantar um pouco de poesia e de filosofia pra essa situação. Escolheu responder o que Osmar gostaria de ouvir, o que provavelmente ele ouviu de todos os outros candidatos e até mesmo dos funcionários.

CLAUDIO
Eu espero ter uma carreira sólida, quero crescer dentro da empresa, buscar o conhecimento e agregar tudo o que aprendi na faculdade e nos meus antigos estágios.

OSMAR
Obrigado, Claudio. Estou satisfeito. Acredito que dentro de uma semana teremos a resposta. Boa sorte!

Claudio saiu da sala confuso, sabia que era o que Osmar queria ouvir, mas não era a sua resposta mais sincera. " Mas daqui 10 anos?! É muito tempo!!". Claudio pegou seu ônibus de volta e começou a desenhar um cronograma de sua vida. "Mas e se ele mudar, vou ter que começar do zero?!".

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Do ponto em que conheci o outro... e vice versa.

Garcin – (Não cessou de bater na porta): Quero sofrer de verdade! Prefiro cem dentadas, prefiro a chibata a esse sofrimento cerebral, esse fantasma de sofrimento, que roça, que acaricia, e que nunca dói o bastante. 

E este foi o nosso tema dos meses de Outubro e Novembro "Eu e o Outro". Qual a relação que temos? De que isso importa?... Pra ser sincera, antes de estudar um pouco sobre isso não achava que era lá "grandes coisas", foi só eu entender do que exatamente se tratava a frase do Jean Paul Sartre "O inferno são os outros" que eu entendi. A relação entre duas pessoas é realmente difícil; e não digo aqui somente a relação amorosa ou amigável, mas principalmente aquela do primeiro contato. Essa sim é a mais difícil! 

Bom, falemos da montagem: diríamos que foram 2 meses bem complicados: novos empregos, ENEM, espera... irônico dizer que tivemos de esperar logo depois em que o tema foi "Tempo". Esperamos! Dois meses para fazer a aula aberta, um mês para sabermos exatamente o que fazer, quase dois meses para sabermos COMO fazer. E nada foi à toa! Tudo teve seu significado: paciência na espera, certeza no significado, confiança nos outros. Quer mais que isso para fazer o tema "Eu e o Outro" ter real significado? 

Escolhemos fazer uma releitura da peça "Entre Quatro Paredes" por ser justamente a peça que mais cita a dor das relações humanas (pelo menos no nosso entendimento). Trabalhamos nela a relação do olhar, do toque e da arte. Metalinguagem. O teatro falando do próprio teatro, da sua relação com a vida. "A arte deve imitar a vida", "Discordo". E assim terminamos a peça. 


O que mais me chamou a atenção deste tema foi o fato de perceber que não existe ninguém autêntico neste mundo. Copiamos estilos, "arquétipos" que achamos convenientes para nós. Somos sim diferentes, ninguém tem exatamente a mesma opinião ou age da mesma maneira que outro, mas... temos a opinião que nos convém de acordo com o que acreditamos, e alguém "borda" esta opinião. 

Também comecei a me perdoar por saber que existem várias "Beatrizes": aquela que é mais quieta, a que é mais avoada, a que é engraçada, a que é brava... todas elas fazem parte de uma Beatriz que achou adequado ser daquele jeito em determinado lugar com determinadas pessoas. Por quê? Porque a relação dela com aquelas pessoas "definiu" que ela seria daquele jeito. 

"Inês– Agora vai pagar caro. Você é um covarde, Garcin, porque eu quero que você seja um covarde. Eu quero, compreende? Eu quero! No entanto, veja que fraquinha eu sou: um sopro. Sou apenas o olhar que está vendo você."  



 Agora... quem defini isto? O olhar que as pessoas tiveram sobre mim e eu "aceitei", ou o olhar que eu tive das pessoas sobre mim? Acredito que a relação (outra vez) dos dois. Pelo que percebo existe um acordo invisível entre as pessoas logo quando se encontram pela primeira vez. Cada uma ali vai fazer um papel perante a outra, e disso surge a relação. O meu olhar muda o olhar do outro e vice versa. E o outro se molda - e me molda- de acordo com esse olhar. Confuso pra caramba...Como as relações humanas!  

Estelle – Está bem, mesmo? Como é desagradável não poder julgar-me por mim mesma. 

O tal de Papel Social também define como as pessoas agirão em determinado ambiente: cada um tem o seu em cada lugar, e este "pacto" é invisível e moldado de acordo com as relações determinadas. Vai você tentar mudar seu papel social em um meio! Tudo vira de ponta cabeça, é como uma máquina: um muda, todos mudam! 

Garcin – É inútil. Aqui, as lágrimas não correm. Inês, eles emaranharam todo o fio. Se você fizer o menor gesto, se erguer as mãos para se abanar, Estelle e eu sentiremos o abalo. Nenhum de nós pode se salvar sozinho. Temos de nos perder juntos, ou nos desembaraçar juntos. Escolha. 


Nossos convidados foram especialíssimos: Deise de Amorim Paz, psiquiatra psicodramatista; Adriana Dellagiustina, psicóloga psicodramatista! Sem contar com o sempre presente William Vasconcelos, músico e filósofo. 

Psicodrama é a relação do teatro com a psicologia. Usar a linguagem artística como terapia, grupal ou individual. Tudo aquilo que você faz em cena tem um significado para você "O que você está sentindo ao fazer isso?", "o que você está pensando neste momento?", são perguntas que as psicodramatistas faziam sempre! Porque a arte pode ser mais reveladora do que nós pensamos.

Fazer uma aula de psicodrama foi como voltar a fazer teatro, olhar para aqueles que chamo de alunos como aluna também.;minha relação com eles mudou naquele momento! 

É muito bom perceber que o teatro é uma ferramenta de descoberta e de libertação. Tem coisas que só a arte tem o poder de revelar, nem só palavras ou gestos, mas o conjunto deles, como arte! Saí da nossa relação feliz por ver que dá certo. A relação: roda de conversas/teatro é poderosa! E você, quando irá se relacionar conosco? 



terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Hora de Acordar

E de repente Júlia acordou. De um sono leve, levantou porque não havia mais razão de continuar dormindo. Foi descalça até o banheiro, tomou um banho para despertar, e quando se olhou no espelho não se reconheceu. Apagou e ascendeu as luzes. Continuou vendo aquele pessoa estranha no reflexo. Saiu do banheiro e voltou. De novo?! Apagou as luzes e saiu do banheiro. Nada. O problema deve ser do espelho... foi para o quarto. No quarto foi pior. Viu que não só o seu rosto tinha mudado, como seu corpo também havia. Entrou em desespero e saiu correndo, de pijamas mesmo! 

Na rua, tudo estava diferente. "Mas o que está acontecendo?! As coisas não eram assim!". Além dela, o mundo havia mudado. As coisas não eram mais vistas como antes. A rua estava mais silenciosa e cinza. As pessoas estavam com um rosto mais cansado. Ficou com medo. Resolveu voltar para casa. 

Olhando ao seu redor reconhecia todas as coisas: a mesa, a cozinha, seu quarto, seu próprio banheiro! Mas tinha alguma coisa de diferente... será que precisava usar óculos? Júlia ainda tinha algum tempo antes de ir trabalhar e sentou em seu sofá.

Passadas duas horas lembrando do que havia acontecido, decidiu tomar uma decisão: "Muito perigoso sair de casa com as coisas assim. Vou esperar que tudo volte ao normal, ou que tudo se esclareça.". Júlia não era nem muito nova e nem muito velha, cursou a faculdade, tinha um emprego, vida normal! Ligou para seu trabalho e disse que tinha alguns problemas para resolver, não batia cartão, então não houve problema. 

Como ninguém chegava, resolveu olhar pela janela para ver o mundo. Ligou a TV, o rádio, mas nada lhe respondia o que ela mais queria: "O que aconteceu com o mundo?!". Desistiu de novo. Ensaiou ler um livro. Na verdade ela só folheava as páginas, porque lendo ela não estava. Então, em um ato de coragem, colocou sua roupa e foi sair para a rua. Enquanto caminhava, percebia que as coisas estavam do jeito que sempre estiveram: seu bairro, os ônibus, a cidade, as pessoas... ela percebeu que o que havia mudado era a forma que ela enxergava tudo ao seu redor. Quando percebeu isso, sentiu uma dor, uma angústia enorme e teve vontade de chorar. Queria contar para alguém, desabafar, perguntar se era assim mesmo, mas com quem ela iria falar? Seus pais estavam no trabalho, ela era filha única, não tinha namorado, suas amigas, bom... tinha medo de ser exposta ao ridículo. Resolveu tentar entender por si só o que estava acontecendo e o que fazer com tanta angústia. 

Andando pela cidade algumas coisas a agradavam e outras não. Percebeu coisas que nunca tinha visto e simpatizou por outras que antes ela detestava. Júlia entendeu. A angústia tinha passado, bem pouco, mas já estava mais tranquila ao saber do que se tratava. 

Voltou para casa e encontrou com sua avó. Esta, que sempre parecia distante desta vez pareceu mais próxima do que nunca: abriu um sorriso e disse "É assim mesmo, com o tempo vai melhorando, mas não é o fim do mundo. Seja bem-vinda!". Júlia não sabia dizer se estava feliz ou se estava triste. Preocupada, isso sim ela estava! "Porque precisa ser assim?". Júlia voltou a dormir e não sonhou, foi um dos sonos mais pesados que teve, quase não acorda! "E se eu não acordar nunca?!". Levantou em um pulo. Foi ao banheiro, tomou seu banho e se viu no espelho. Dessa vez não se assustou, até gostou do que viu; fechou os olhos e fez uma promessa. Se arrumou e saiu para o trabalho, mas não esqueceu da sensação anterior, e nem da sua promessa!

Percebeu que essas coisas eram assim mesmo: assustam, mas passam. Ia doer, e não ia ser só uma vez, várias vezes! Nossa, quanta dor Júlia teve! E em todas as dores e angústias que Júlia sentiu, ela se lembrava da promessa que havia feito naquela época "Nunca perca o brilho nos olhos". Júlia dormiu, sonhou e acordou. Foi até o banheiro, tomou sua ducha e olhou no espelho. Seus olhos ainda brilhavam!  


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

CARTA DE INTERESSE

               Desde pequena fui ligada ao teatro. Mas que criança não é? As nossas próprias brincadeiras e nossa forma de enxergar o mundo penso eu que são dignas de um ator quarentão. De qualquer forma, cresci com o sonho de fazer teatro, de ser atriz.
                Quando tinha 13 anos, entrei no Teatro Escola Macunaíma para fazer um espetáculo infantil pela primeira vez. Nunca vou esquecer aquela sensação de estar no palco, colocar o figurino, aguardar o público. Dizem que isso vicia, e eu acredito!
                Com 15 anos comecei a fazer o curso profissionalizante de atores também do Teatro Escola Macunaíma, e lá já tinha quase certeza de que era isso o que eu queria para a minha vida. Porém, na hora de prestar vestibular, escutei meus pais e prestei Rádio e TV na Faculdade Cásper Líbero para ter mais uma opção profissional.
                Mal sabia eu que no meio da faculdade me formaria como atriz e começaria a dar aulas de teatro para crianças. E sabia menos ainda que o fato de dar aulas me faria mudar 100% meus planos e sonhos: antes pensava em ser preparadora de elenco de cinema e televisão. Hoje, penso em trabalhar com produção cultural e educacional, levando para aqueles que recebem tão pouco o muito da nossa cultura. Não sei qual dos dois sonhos é o mais difícil.
                Baseado nessa vontade, criei um projeto juntamente com a Cia de Teatro Olhares (onde também sou atriz) usando a linguagem do teatro para conscientizar adolescentes e jovens sobre as questões universais do ser humano e do homem contemporâneo. Dou aulas todos os sábados em um espaço cedido pela ONG de Edu comunicação Viração, e tenho como alunos os próprios alunos da ONG e alguns outros de fora.
                Saber que uma arte pode mudar a vida de alguém e pode alterar a realidade é a minha linguagem. Quero viver cada vez mais de arte e de cultura, espalhando ainda mais essa nossa paixão que só quem sente entende.
              Tento ao máximo cuidar do nosso teatro com todo o respeito, como um santuário, e tratarei do mesmo modo tudo aquilo o que aprender na vida e nos palcos. O teatro, acredito eu, é a arte mais pura e mais perigosa que o homem inventou, não podemos maltratá-la e desrespeitá-la.


               Fico aqui no Brasil na vontade e na esperança de cada dia mais termos orgulho de sermos atores e agentes culturais. Tenho a esperança de que um dia irão honrar o nosso modo de fazer arte e entender nossa maneira de ver a vida. Somos muitos e com diferentes visões, "Olhares". E tenho fé em Deus, nos Orixás, em Maomé, Alá, na natureza que um dia nada será tão difícil na arte.

           No momento estou como a maioria de nós: em busca de parcerias de trabalho, no corre para concretizar os projetos e na vontade de fazer acontecer. 


Trechos da Carta de Interesse para a Oficina de Eugênio Barba, que irá acontecer nos dias 1 a 6 de novembro no Sesc Belenzinho. http://girasp.com.br/2013/10/oficina-com-odin-teatret/ 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A nossa "Exótica" Cultura Brasileira

       Porque quando alguma mulher branca diz que prefere homens negros ela já diz com um sorriso malicioso no rosto, e já sabe que ouvirá risadas, e piadas como "Safadinha!", "Não é boba nem nada!"? Porque quando vamos para um centro de Umbanda ou Candomblé falamos para algumas pessoas como se fôssemos desbravadores? Porque quando dizemos que alguém é da umbanda ou do candomblé, falamos como se essa pessoa fosse de alguma seita secreta ou bruxaria? Coloco isso no coletivo porque eu hoje percebo que também faço parte da enorme lista dos europeizados brasileiros. Acabei de inventar este termo. Será?

Tambor de Crioula (foto tirada do site do Ministério da Cultura)
       Essa semana participei de uma oficina de Tambor de Crioula no Teatro Cit-Ecum, todos os dias, das 10h às 13h. Tambor de Crioula é uma expressão afro-brasileira, que mistura dança, percussão e cantos populares que reverenciam São Benedito. Para ser realizada, não precisa de data ou lugar específico. O grupo que me ensinou um pouco dessa cultura popular foi o do finado Mestre Felipe, uma das mais importantes figuras da cultura popular brasileira e maranhense.

       Mas porque raios uma oficina de cultura brasileira me fez pensar essas coisas? Simples: moro em uma metrópole, no sudeste do Brasil, que prefere a cultura estrangeira a qualquer outra coisa. Eu mesma, que sempre me considerei uma pessoa brasileira (gosto de samba, MPB, poxa!) me peguei mais pra lá do que pra cá. Explico: sou atriz. O teatro que aprendemos é o teatro europeu, tanto a técnica base que vem da Rússia, como a forma de fazer. O que eu, como brasileira, faço para aproximar a minha linguagem artística da linguagem do meu povo? Absolutamente nada.

       Pois é. Estou me dando um soco da cara. Gostar de samba, MPB, axé, capoeira, de Brasil é fácil! Tudo isso, essa nossa música, a dança, o nosso modo de ser (feliz, simpático, mulher bunduda, gostosa, sexy)... tudo isso foi comprado - e reconhecido- pelo resto do mundo, como já disse Carmem Miranda "Disseram que eu voltei americanizada". Tudo o que é reconhecido, taxado, lacrado como brasileiro lá fora, aqui passa a ser visto, reconhecido e quase um "orgulho nacional". Quase todo mundo gosta de samba, e sabe alguma dança de Axé, todos sabem mais ou menos o que é capoeira, todos já ouviram pelo menos uma vez as MPBs das antigas. Agora, aquilo que ainda não foi proclamado lá fora não existe no Brasil. É o caso do Tambor de Crioula. Sim, é patrimônio imaterial brasileiro. Já é um passo! Mas ouvir o produtor do grupo dizer que no Maranhão os prefeitos preferem chamar os cantores de Axé da Bahia nas festas populares maranhenses significa que o brasileiro não dá a menor importância para o que fabrica.

        Mais exemplos! Aqui em São Paulo, quantos conhecem alguma coisa da cultura popular do interior paulista, ou de qualquer outra parte do Brasil? Os que respondem afirmativamente provavelmente são os "artistas", "bicho-grilo" (pessoas consideradas exóticas), que procuraram, caçaram e encontraram em algum canto de São Paulo alguma coisa brasileira. E eu, honestamente e com muita vergonha, me coloco na parte que responde negativamente. Conheço o projeto Revelando São Paulo, do Abaçaí Cultura e Arte. Espera... conheço não, já ouvi falar.

        É muito triste saber que eu, uma pessoa que fala aos quatro cantos "sou atriz", "quero trabalhar com cultura", desconheço tanta coisa da nossa cultura. Sou vítima - ou não - da educação européia, da tentativa de esbranquiçar o Brasil que vem desde o início da nossa história. Eu, que desfilo no carnaval, que ouço muita música brasileira, eu mesma, não conheço o Brasil. Porque o Brasil tá escondido em várias partes do interior, o Brasil tá escondido nas casas das pessoas mais velhas, nas casas de cultura popular, nas festas de santo mais tradicionais e menos marketeiras
. E foi escondido por nós, europeus, que queriam de toda a forma transformar o Brasil em um Estados Unidos tropical, afinal, é o melhor país para se viver, não é mesmo?

        Ainda temos muito o que aprender com aqueles que defendem a nossa cultura popular, que vem de boca a boca, nas rodas de conversa, nas rodas de batuque, de samba, que vem daqueles que não damos o menor valor, porque nós do sudeste praticamente não moramos no Brasil, estamos aqui só de passagem, e ignoramos qualquer ruído que não foi reconhecido lá fora. É Brasil....